sábado, 23 de junho de 2007

Um Olhar no Cinema Oriental Parte 1 - Cinema Sul-Coreano

O cinema coreano viveu uma era dourada na década de 60, porém careceu do que dos anos 90 pra cá está acontecendo no país: uma grande multinacional (Samsung) investindo pesado nas produções. O que deu um grande impulso na virada do século, também graças a revitalização econômica e as rápidas transformações urbanas em Seul, atraindo público, conquistando-o e lucrando muito com a bilheteria nacional. Desde 1993, e o governo estipula uma cota de 146 dias por ano para que as produções nacionais sejam exibidas. Um alento e um socorro para o cinema do país continuar resistindo à hegemonia hollywoodiana. Tema recorrente nas produções sul-coreanas, os imbróglios políticos do país fazem grande sucesso de público. Exemplos disso são as produções “Shiri – Missão Terrorista” e “A Irmandade da Guerra”, ambos do diretor Je-gyu Kang, são duas estocadas profundas na ferida mal cicatrizada após a guerra que matou mais de 3 milhões de pessoas no início dos anos 50. “A Irmandade...” e “Silmido”, também de 2004 ultrapassaram os 10 milhões de espectadores nas salas de cinema na Coréia.
Diretores

Jang Sun-woo - saiu do ativismo político para realizar filmes marcados pela ruptura formal, o pessimismo dos temas e um tratamento cru e ousado do erotismo. Pelos três últimos filmes desse realizador, é impossível fazer uma idéia sobre sua carreira como um todo, ou até do que passa por sua cabeça. Quando fez o filme “Resurrection of the Little Match Girl” em 2002 para alavancar sua carreira, com direito a inúmeros efeitos especiais, ele realiza um dos filmes mais doidos vistos nos últimos anos, completamente obrigatório para quem gosta de videogames (a "história" do filme é um entregador de comida que entra num jogo virtual em que o objetivo é fazer a garota dos fósforos morrer de inanição pensando no jogador).
Mentiras
Uma espécie de retomada acid de Matrix que foi um dos maiores fracassos de bilheteria do cinema coreano recente. E isso faz do filme (e do cinema de Jang) algo tanto mais interessante. Em 1999 filmou “Mentiras” que conta uma relação obsessiva e sádica entre uma garota de 18 anos e um escultor de 38, que é seu filme mais conhecido por aqui.

Kim Ki-duk – um dos mais difundido dos cineastas coreanos. Com seu cinema de arte, mistura existencialismo e releituras de temas tradicionais. Em “Time – o Amor Contra a Passagem do Tempo” de 2006 ele brinca com a linguagem do título. Time é o loop criado com o início e o fim do filme, é a paranóia com idade e a obsessão por plásticas, é a idéia de que as pessoas enjoam uma das outras com o passar do tempo, e a dificuldade de seguir adiante. “Primavera, Verão, Outono, Inverno, ...Primavera” de 2003, se passa numa cabana isolada numa floresta, onde predomina a ausência da civilização e das palavras. O silêncio também marca “Casa Vazia” de 2004, onde ele potencializa a ausência de som para a cidade.

Park Chan-wook - Elogiado por suas imagens ultraestilizadas, é também um dos diretores coreanos com maior difusão no Brasil e um dos mais interessantes. O primeiro filme de Park Chan-wook a ter aparecido por aqui foi “Zona de Risco” de 2000, ambientado na fronteira que separa as duas Coréias onde dois soldados de lados opostos da disputa acabam fazendo amizade, destacando a crueldade que essas pessoas são impostas, já que são obrigadas a escolher um dos lados. Em 2002, Park começou sua trilogia da vingança, tema que esmiuçou de todas as formas possíveis. Primeiro com “Sympathy for Mr. Vengeance” que retrata a tragédia de um casal de irmãos, ele surdo-mudo que tenta fazer de tudo para ajudá-la a conseguir um transplante de rim.
Oldboy
Depois veio o mais conhecido e aclamado da carreira do diretor: “Oldboy” é a jornada de um homem que depois de ficar 15 anos seqüestrado, é libertado e parte em busca de descobrir quem tirou grande parte de sua vida. Park mostra todo sua criatividade e seu controle por cada frame desse filme, onde nenhum detalhe é em vão e o desfecho é algo próximo da perfeição. A trilogia termina com o mais tênue dos episódios: “Sympathy for Lady Vengeance” é a mais lenta e artística das três vingança, mas nada que faça perder o efeito de satisfação do espectador ao final do filme.

Bong Joon-Ho - também roteirista (Antarctic Journal, um dos mais recentes blockbusters do cinema coreano), Bong Joon-ho ganhou reconhecimento através de seu segundo longa-metragem, “Memórias de um Assassino” de 2003, baseado no caso real do primeiro serial-killer oficial da Coréia. Bong consegue tirar humor dos trágicos acontecimentos e da triste realidade dos personagens. Seu mais recente trabalho é “The Host – O Hospedeiro”, que mostra uma criatura que surge num rio contaminado com lixo tóxico e começa uma grande matança. Esse filme é difícil de classificar com algum gênero específico, já que tem partes de ação desenfreada, de suspense, drama e um ótimo tom de comédia. Apesar de diferentes, esses dois trabalhos de Bong têm uma característica em comum: situações políticas da Coréia são inseridas em ambas as tramas, o que dá um valor ainda maior ao trabalho desse jovem, mas muito promissor diretor.
O Hospedeiro

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Ran

Ran / Akira Kurosawa / Japão / 1985
Com: Tatsuya Nakadai (Lorde Hidetora Ichimonji), Akira Terao (Taro Takatora Ichimonji), Jinpachi Nezu (Jiro Masatora Ichimonji), Daisuke Ryu (Saburu Naotora Ichimonji), Mieko Harada (Lady Kaede), Yoshiko Miyazaki (Lady Sue), Takashi Nomura (Tsurumaru), Hisashi Igawa (Shuri Kurogane), Masayuki Yui (Tango Hirayama), Kazuo Kato (Kageyu Ikoma), Norio Matsui (Shumenosuke Ogura), Toshiya Ito (Mondo Naganuma), Kenji Kodama (Samon Shirane), Hitoshi Ueki (Nobuhiro Fujimaki).
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O diretor Akira Kurosawa transporta para o Japão feudal o mais contundente drama familiar da peça O Rei Lear de Shakespeare. Com uma idade já avançada, o poderoso senhor feudal Hidetora Ichimonji decide que é hora de dividir seus bens entre seus três filhos: Taro, Jiro e Saburu. Com Taro, o mais velho, Hidetora deixa a chefia do clã além das terras e da cavalaria. Para os outros dois, deixa alguns castelos e terras e a tarefa de manter o clã dos Ichimonji protegido. Ele decide então viver um pouco em cada castelo mantendo seus títulos e seus trinta homens, o que desagrada Taro e Jiro, que pretendem governar sem a interferência do pai. Saburu, percebendo a ganância dos dois irmãos não aceita a decisão e após uma discussão é expulso do feudo por Hidetora e acaba acolhido por Fujimaki, que admirado por Saburu ter enfrentado o pai, o torna seu genro. Quando Hidetora descobre a influência que Kaede, a qual ele exterminou a família, exerce sobre seu marido Taro, ele é perseguido pelos próprios filhos e tem que fugir com ajuda de um soldado e um bobo da corte. Ele então acaba enlouquecendo aos poucos. Agora o único que pode lhe ajudar é o filho que ele expulsou da suas terras.
Nunca tinha visto nenhum filme de Kurosawa, acabei achando esse empoeirado na prateleira da locadora e peguei mais para conhecer o diretor, já que tinha a intenção de fazer a resenha de “Os Sete Samurais”. O que acabou não acontecendo, primeiro por não ter encontrado esse outro filme, mas principalmente por ter ficado extasiado com a perfeição de “Ran”. Apenas com um filme visto, já virei fã desse cara. O filme já começa com uma bela tomada onde o clã dos Ichimonji realiza uma caçada com outras duas família, que querem tratar do casamento de suas filhas com o filho mais velho de Hidetora. A parte técnica, mesmo para um quase leigo no assunto como eu, é irreparável. Em várias partes do filme ele foca tudo de longe, como que estivesse contemplando as ações dos personagens interagindo com a beleza das paisagens que estão presente em todo o longa. Como acontece na cena em que seu fiel soldado Tango vai atrás de Saburu, Hidetora acaba tendo um surto de loucura e seu servo (ou bobo) corre desesperado a sua procura. Apenas contemplamos a cena do alto.
A decisão acertada de atribuir uma cor diferente pra cada um dos filhos e por conseqüência de seus clãs, deixa as batalhas além de grandiosas e realistas com um colorido que as enaltece e as torna um espetáculo a parte. O figurino, que com justiça foi o vencedor do Oscar, é impecável na caracterização da época de cada detalhe das vestimentas, muitas delas inclusive foram feitas a mão num trabalho de quase dois anos. A invasão e destruição do castelo onde Hidetora se encontrava, foi pra mim uma das melhores passagens do filme, sendo intensa tanto na ação como na dramaticidade com que o personagem sente perder tudo aquilo que construiu na vida, mas que acabou destruído pela ganância da sua própria prole.
Kurosawa explora também dois sentimentos antagônicos: a vingança e o perdão. A vingança é mais explícita na presença de Lady Sue, que arquiteta cada ato com um propósito específico e pelo qual fará de tudo para alcançar, e suas ações apesar de extremas, ganham certa justificativa por tudo que o ex-chefe do clã a fez passar. O perdão, um dos atos mais dignos e difíceis para o ser humano, é muito bem definido na luta de Saburu para que o pai seja salvo de sua própria demência frente aos atos de seus outros filhos.
As atuações com tons teatrais realçam ainda mais a intenção de Kurosawa em discutir as lutas insanas pelo poder que acabam por destruir as pessoas e qualquer estrutura familiar. Saburu, que aparentar inicialmente ser o causador das brigas, acaba se revelando o único dos filhos de Hidetora preocupado com a eminente destruição que estaria por vir. O poder e os bens são os objetivos da ganância, que acabam pela destruição moral e física de todos que de alguma forma participam dessa jornada.
No fim, Akira Kurosawa, que levou 10 anos planejando cada cena do filme, faz de “Ran” uma grande e profunda análise dos sentimentos e emoções humanas, embalando isso com mais pura e bela arte cinematográfica.
Avaliação:

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Filmes de maio/2007

85- Últimos Passos de Um Homem; Os (Dead Man Walking / Tim Robbins / 1995)
86- Nascido Para Matar (Full Metal Jacket / Stanley Kubrick / 1987)
87- Fugitivo; O (The Fugitive / Andrew Davis / 1993)
88- Casal Osterman; O (The Osterman Weekend / San Peckinpah / 1983)
89- Escravas da Vaidade (Dumplings / Fruit Chan / 2004)
90- Inacreditável - A Batalha dos Aflitos (Inacreditável - A Batalha dos Aflitos / Beto Souza / 2007)
91- Aguirre - A Cólera dos Deuses (Aguirre, Der Zorn Golles / Werner Herzog / 1972)
92- Akira (Akira / Katsuhiro Ôtomo / 1988)
93- South Park: Maior, Melhor e Sem Cortes (South Park: Bigger, Longer and Uncut / Trey Parker / 1999)
94- Pagamento Final; O (Carlito's Way / Brian De Palma / 1993)
95- Audition (Ôdishon aka "Audition" in USA / Takashi Miike / 1999)
96- Grande Ditador; O (The Great Dictator / Charles Chaplin / 1940)
97- Homem-Aranha 3 (Spider Man 3 / Sam Raimi / 2007)
98- London (London / Hunter Richards / 2005)
99- Sonhadora (Dreamer: Inspired by a True Story / John Gatins / 2005)
100- Casamento dos Meus Sonhos; O (The Wedding Planner / Adam Shankman / 2001)
101- Operação França 2 (French Connection 2 / Jonh Frankenheimer / 1975)
102- Hot Fuzz (Hot Fuzz / Edgar Wright / 2007)
103- Trilogia do Terror (Body Bags / John Carpenter, Tobe Hooper, Larry Sulkis / 1993)
104- Depois de Horas (After Hours / Martin Scorsese / 1985)
105- Tempos Modernos (Modern Times / Charles Chaplin / 1936)
106- Anjos da Vida - Mais Bravos que o Mar (The Guardian / Andrew Davis / 2006)
107- Homem Errado; O (The Wron Man / Alfred Hitchcock / 1956)
108- Piratas do Caribe - No Fim do Mundo (Pirates of the Caribbean: At World's End / Gore Verbinski / 2007)

quarta-feira, 6 de junho de 2007

O Cemitério dos Vagalumes

Hotaru no Haka "aka" Grave of the Fireflies / Japão / Isao Takahata
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Vozes: Akemi Yamaguchi (a tia), Ayano Shiraishi (Setsuko), Tsutomu Tatsumi (Seita), Yoshiko Shinohara (a mãe).
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Cemitério dos Vaga-lumes (Grave of the Fireflies) narra, em "flashback", a sofrida e triste jornada de Seita e sua pequena irmã Setsuko. A história se passa na época da 2ª Guerra Mundial, e inicia mostrando o bombardeio da cidade onde moram com a mãe (seu pai, motivo de orgulho, está servindo na marinha). Seita e Setsuko correm para o abrigo, para juntarem-se à sua mãe, mas não a encontram. Depois do bombardeio, eles seguem para a estação de trem Niponmantsu, onde esperam encontrar a sua mãe, mas a estação não existe mais, pois a cidade está completamente destruída pelas bombas incendiárias. Avisado por uma vizinha, Seita vai até a escola, onde descobre que a sua mãe foi terrivelmente ferida pelas explosões. Ela será transferida para um hospital na cidade de Nishinomiya, onde poderá ser tratada melhor. Ela é transferida, mas seu corpo e as feridas estão em um estado deplorável e, certamente, não resistirá à viagem. Seita decide seguir atrás da mãe, para a casa de uma tia na mesma cidade onde sua mãe será transferida. Os dois irmãos são aceitos na casa da tia, mas com o passar do tempo, devido às agruras da guerra, começam a surgir pontos de atrito com a família. Seita e Setsuko resolvem deixar a casa da tia e vão morar num abrigo abandonado, à beira do lago. Depois de um tempo, a comida começa a faltar e a Setsuko fica doente devido à subnutrição.

Em pouco tempo, assim como a luz do vaga-lume, preso pelas mãos de Setsuko, se apaga porque ela o apertou demais, Seita e Setsuko não resistem à força esmagadora da guerra, que não perdoa ninguém, nem mesmo duas almas inocentes.

Uma história triste, contada com simplicidade, e com cenas muito bonitas. A beleza do traço, as cores e detalhes no desenho das personagens e nos cenários, nos enganam e nos fazem acompanhar a jornada dos dois irmãos de forma inocente e [quase] descontraída, sem perceber a totalidade da tragédia e desumanidade da guerra. No entanto, de repente, somos trazidos de volta ao mundo cruel. Nem o final, tipo um "happy end" pós mortem ameniza o fato de que, na guerra, a primeira baixa não é só a verdade, mas a inocência também.

Não é uma obra fácil de assimilar ou gostar, pois é uma história trágica, com crianças e num veículo (desenho / animação) através do qual estamos mais acostumados a ver os "finais felizes" de Walt Disney. "Cemitério dos Vaga-lumes", definitivamente, não é uma história de pequeninos para pequeninos, mas um filme sobre as tragédias da guerra. E dos melhores.
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Avaliação:
*Crítica gentilmente enviada pelo amigo Cevallos do grupo Cinema Fantástico. Muito obrigado Cevallos.